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AQUI EU DEIXO MINHA MENTE VOAR,IMAGINO E RELEMBRO SITUAÇÕES,ME PERCO ENTRE O REAL E O IMAGINÁRIO.

ESPERO QUE DE ALGUMA FORMA ESSAS MALUQUICES TE AGRADEM.


segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Meu centroavante quer casar!

Meu centroavante quer casar!


Manhã calma de segunda-feira, nove e meia da manhã.
   Os responsáveis pela limpeza do Estádio Silveirão, lentamente caminhando pelo pátio do estacionamento, vão juntando o que restou da festa de mais um clássico da cidade. Enquanto isso conversam sobre a vitória do time da casa. Com orgulho, beijavam o escudo do Clube Atlético Libertadores. Exaltavam a garra e as habilidades de cada um dos “Soldados”, como eram chamados os jogadores do Libertadores. Eram mais uma vez campeões estaduais. E mais uma vez em cima dos eternos rivais, o América Esporte Clube.

   - Eu te disse Odair! Te disse que a gente não perdia esse jogo. Essa gurizada tá voando!
   - Mas bem que tu te assustou. Foi um 2 X 1 desses de matar velho cardíaco.
   - Bah! Foi demais, mas eu levava fé na gurizada.
   - E aquela bola que o Lindomar colocou no travessão no final quando o jogo ainda tava empatado?
   - Meu Deus! Naquela bola eu achei que a gente ia perder por azar. O Lindomar Cabeleira não erra esse tipo de gol! Já tinha deixado um e se faz aquele seria o alivio. Evitaria a prorrogação e todo aquele sofrimento extra.
   - É verdade. Mas ele foi o nome do jogo. Fez os dois gols! Matou o jogo e hoje tá na capa de todos os jornais.
   - Ele sempre foi artilheiro. Passou por vários clubes do interior do país até vir pra cá. Vai fazer um belo campeonato nacional.
   - Com certeza.

   Eis que nesse momento eles vêem o carro do centroavante Lindomar entrando no pátio. Algo muito estranho. O centroavante e homem da decisão, tão cedo no clube? Algo não estava bem. Eles já haviam achado estranho ele não ter aparecido na festa do título depois do jogo.
   Lindomar estacionou na vaga mais próxima da entrada para os vestiários. Passou voando pela dupla que conversava e antes de entrar no prédio ouviu um dos faxineiros dizer:

   - Que jogo, hein guri? Parabéns.

   Respondeu:

   -Obrigado Seu Nélson.

   Seu Nélson percebeu um abatimento no rosto de Lindomar. Não era cansaço, era tristeza. Mas como isso seria possível? Ele havia feito os dois gols do título a menos de 24 horas. E além do mais, ele era um desses centroavantes figurões. Forte como um tanque, bruto como um trator e, quando preciso, leve como um beija-flor. Cirúrgico e fazedor de gols. Era um Matador.Tinha olhos de matador, andar de matador, cheiro de matador. Aqueles olhos não eram os dele. Não, aquela não era a mirada de um Centroavante com "C" maiúsculo.
   Os faxineiros se olharam com caras de ponto de interrogação. Sentiram uma atmosfera de tensão ao redor de seu ídolo.
   Lindomar cruzou portas e corredores até a antessala do gabinete do presidente do clube.

   Falou para a secretária:

   - Bom dia Dona Eva. Eu preciso marcar uma reunião urgente com o presidente e com o treinador.Tem que ser para essa manhã. Ligue para eles por favor, é sério.
   - Claro, Lindão. Eu ligo para eles. Mas tem mais alguma coisa  em que eu possa te ajudar?
   - Obrigado Dona Eva. É só isso que eu preciso. Vou ficar nos vestiários por enquanto. Quando eles chegarem manda alguém me chamar, faz favor.
   - Tá bom. Eu mando alguém ir lá te buscar. A propósito, parabéns pelo jogo de ontem!
   -Obrigado. Espero lá embaixo.

   Lindomar caminhou devagar pelos mesmos corredores que havia passado correndo momentos antes. No caminho até o vestiário principal cruzou por mais alguns funcionários do clube. Cumprimentou todos pelo nome. Ganhou alguns abraços, beijos, puxões de orelha e beliscões na bunda ao longo do trajeto. Chegou no vestiário abriu as portas do seu armário, deu uma boa olhada, caminhou em círculos por alguns instantes e sentou-se em um banco.
   Os hematomas provenientes de uma final de campeonato ainda doíam muito. Nas suas pernas e nas suas costas marcas de travas de chuteiras ainda queimavam em sua pele. Estava cansado. Foi uma noite cansativa, desgastante. Deitou-se no banco e cochilou.

   Cerca de uma hora e meia passou até que Lindomar foi cutucado pelo Office boy do clube.

   - Lindomar. Acorda. Lindomar.
   - Que foi?
   - O presidente já chegou e o treinador já deve estar chegando. Pode ir até a sala da presidência que ele já está te esperando. Certo?
   - Tá bom, já vou. Vou no banheiro lavar o rosto e já subo lá. Obrigado.

   Agora não havia mais como voltar atrás. O presidente já estava lá esperando. Mas,mesmo se houvesse como, ele não voltaria atrás. Estava decidido a sair dali com seu problema resolvido.
   Respirou fundo e saiu do vestiário decidido. Tão decidido quanto ia em direção ao gramado encontrar a massa de torcedores dessa vez ele foi no sentido contrário.Foi para a sala do presidente com passos firmes, decididos. Passadas de centroavante.
   Passou pela antessala como se estivesse puxando um contra ataque. Entrou sem bater.

   - Bom dia Seu Paulo.
   - Bom dia meu artilheiro! Que está acontecendo rapaz? Porque você nos chamou até aqui? Estou preocupado. Fala,pode falar. Eu estou aqui para te escutar. Com uma puta ressaca, mas a tua disposição guri.

Lindomar foi direto:

   - Eu vim pedir demissão doutor.

O presidente silenciou por alguns segundos, gargalhou e disse:

   - Já pensou, hahahaha. Que loucura, o cara se consagra no domingo e pede demissão na segunda pela manhã – divertiu-se o presidente com tal improvável situação – Mas agora me conta o que houve?
   - É sério doutor – afirmou Lindomar, com cara de batedor de pênalti.
   - Que brincadeira boba é essa guri?
   - Ontem eu fiz minha última partida pelo Libertadores. Me desculpe mas nada vai me fazer mudar de ideia.
   - Mas o que houve? Não consigo entender. Olha aqui se isso é uma estratégia para conseguir aumento de salário eu logo já v...
   - Doutor! O senhor não está escutando? Eu já disse, ontem foi minha última partida com essa camisa, portanto, não vim para negociar aumento de salário. Para isso eu tenho um procurador.

O presidente sente firmeza no olhar matador e começa a argumentar:

   - Cara tu não podes sair assim do Libertadores. Ontem tu fostes muito importante na conquista do campeonato. Fizestes dois gols! A torcida te ama, o elenco te adora, tens o apoio do treinador e da comissão técnica. O que te falta?

   - Não me falta nada doutor – balbuciou Lindomar com a cabeça e os ombros baixos. Nem de longe lembrava um centroavante. Nem de longe lembrava aquele artilheiro intimidador. Na frente do dirigente estava um outro homem. Uma fera acuada, assustada e muito abatida.

   - Então,garoto,que palhaçada é essa que está acontecendo aqui?
   - Eu vou explicar. Espero que o senhor entenda o meu lado e me libere.
   - Comece! Vamos ver o que te molesta guri e como resolvemos isso.
 
   Nesse momento entra na sala o treinador. O presidente sente que com a ajuda do "professor" o centroavante vai recuar.

   - Oh, Moreira. Ainda bem que tu chegou. Não estou entendendo nada aqui, talvez você possa me ajudar. Esse guri está me dizendo que não vai mais vestir a nossa camisa. Que quer ser liberado.

O treinador sem entender:

   - Que brincadeira é essa, Lindomar?Tá ficando louco?
   - Já ia começar a explicar ai o senhor chegou.
   - Então continua.
   - Sim professor.Eu disse para o Seu Paulo que não vou jogar mais aqui. E, antes que o senhor chegue na mesma conclusão que ele, não vim aqui meter pressão por aumento de salário. Só quero ser liberado por motivos pessoais. De maneira rápida, amistosa e tranquila.
   - E tu vai para onde? – perguntou o presidente ainda atônito.
   - Isso é mais delicado.

O presidente em tom de deboche:

   - Delicado? Delicado seria se tu fosse embora para o América – o presidente com um sorrisinho no canto da boca, sorrisinho que sumiria na próxima resposta do Lindomar.

   - É isso mesmo Seu Paulo. Eu vou para o América.

   Nesse instante instaurou-se uma pausa dramática e tensa. Os olhares, entre os três, se encontravam e desencontravam em silêncio.

   - Que merda é essa que tu estas dizendo guri? Oh, Moreira, pergunta para esse cara o que foi que ele usou essa noite. Ele ainda tá muito louco e já é quase meio-dia.
   - Não é merda doutor. Eu vou me mudar para o América.

   Cada vez que o centroavante dizia isso o presidente se retorcia na cadeira confortável de onde dirigia o clube. O treinador também queria saber mais:

   - Mas como assim, tu vai para o América? Nos acabamos de ganhar um campeonato em cima deles e tu marcou os gols do jogo. Quem está negociando contigo?
   - Professor, não tem ninguém negociando comigo. Eu vou para o América por amor!
   - Ai meu Deus! O cara é torcedor do América! – desesperou-se o presidente.
   - Não sou torcedor do América. Sou centroavante. Centroavante não tem time do coração. Centroavante ama fazer gol. Eu vou por amor, mas não pelo clube.
   - Então que diabos de amor é esse guri? – perdeu a paciência o treinador Moreira – Tu não tens nem namorada!

Lindomar respirou fundo e contou seu dilema:

   - Eu namoro escondido, professor. Estou com a filha do presidente vitalício do América. E nessa semana resolvemos nos casar, ela me apresentou como seu namorado e eu pedi a mão dela em casamento.
   - Tá, guri! Até ai tudo bem. Mas porque sair do clube. Tu matou o time do teu sogro ontem e jogou muita bola. Qual é o problema então?
   - Ele não aceitou. Disse que nem a pau ele entrega a mão da filha dele para o centroavante do Libertadores.
   - Que doente – disse o treinador.
   - Eu entendo ele. Eu faria o mesmo – afirmou baixinho o presidente.
   - Então essa final estava valendo em dobro para mim. Ajudar o Libertadores a ser campeão e fazer aquele velho filha da mãe sofrer. Queria ajudar a ganhar o título sim, mas sem uma participação decisiva. Seria discreto em campo e, assim não seria o objeto de ódio do pai dela. Esse era o meu plano para dobrar o velho. Eu amo essa mulher. Ela também me ama, mas ama o pai e ama o maldito América também.
   - Isso eu nunca vi. Tenho trinta anos de profissão. Uma copa do mundo, trabalhei em seis países diferentes e lidei com todo tipo de pedido de demissão. Mas por amor à filha do presidente do maior rival é inédito para mim – o treinador Moreira continuava embasbacado.

Lindomar continuou:

   - Ela não quer atender minhas ligações desde ontem depois do jogo. Cada gol que eu fiz foi acompanhado de uma dor desgraçada no meu coração. Mas eu sou centroavante e não resisto. A bola se oferece e eu tenho que guardar. É lindo o som da rede estufando. É lindo ver a festa da torcida, a cara dos companheiros e do goleiro adversário. Isso é irresistível para um centroavante.

O presidente sai do silêncio:

   - Mas você foi o melhor em campo. Quando você tomou essa decisão?

Lindomar com os olhos fechados:

   - Na sexta-feira. Depois de fritar na cama em busca de uma solução para esse impasse, decidi honrar essa camisa e fazer o melhor para ajudar os companheiros. Fui profissional com o clube. Mantive a promessa que fiz quando cheguei. Dei o melhor que podia naquele momento, acima das dores físicas e emocionais, acima do meu amor por essa mulher. Antes do jogo, quando estávamos perfilados escutando o hino nacional, eu consegui localizar ela nos camarotes. Ao lado do pai. Ela tava linda, radiante. Confiante na vitória de seu clube do coração. Mas eu estava ali para estragar a alegria dela, cabia a mim o papel de carrasco. A bola rolou e logo de início eu recebi aquele cruzamento açucarado do Eltinho na marca do pênalti. Eu estava sozinho, livre de marcação, dominei no peito e não tive dúvidas, deixei cair e bati forte e rasteiro de canhota no cantinho. Foi tudo muito rápido. Quando eu vi já estava pendurado no alambrado sacudindo tudo e beijando a torcida.

   - Foi um lindo gol, guri – suspirou o presidente com o olhar marejado perdido na parede do gabinete.

Lindomar continua:

   - Aí veio o intervalo. Na saída eu olhei para os camarotes e ela estava nervosa. Com uma cara sofrida, preocupada. Me olhou e baixou a cabeça. O pai dela ficou me encarando com uma raiva impressionante. Passei o tempo do intervalo sentindo que estava perdendo aquela mulher, professor. O senhor me entende?

O treinador olhando nos olhos de Lindomar:

   - Por isso que ontem você não brigou com ninguém no vestiário. Percebi que você estava muito calado.Mas como essa foi nossa primeira final juntos,pensei que fosse a sua maneira de manter a concentração.

Lindomar coloca a mão no ombro do treinador e continua:

   - Pois é professor. Na minha cabeça o drama era gigante. Eu não queria perder essa final. Queria ganhar pela torcida, pelos amigos, pelo profissionalismo e principalmente para maltratar o pai dela. Mas a nossa vitória, por outro lado, causaria a tristeza do meu amor e seu pai me odiaria ainda mais. Confesso que fiquei um pouco contente com o gol de empate deles - Lindomar caminha pela sala - A nossa vitória já não era pelo meu gol. Aí começou a pressão dos caras, bola na trave, uma sequência de escanteios. Eu não gosto de perder e a coisa estava feia para o nosso lado. O jogo era lá e cá. Eu preferindo passar a bola para os companheiros ao invés de chutar a gol. Queria o título, mas queria, acima de tudo, ela. O problema é que um centroavante não pode se esconder por muito tempo. A bola busca e o instinto é mais forte que qualquer amor. Quando eu vi o Negueti correndo livre na direita e o João lançando para ele, meu corpo foi em disparada para o bico da pequena área. Parecia haver um imã me atraindo. O Negueti cruzou e eu, sem hesitar, soltei a bomba de esquerda de primeira. Por um instante meu coração parou. Peguei bem, peguei forte, a bola explodiu no travessão e meu coração voltou a bater. Os ouvidos se destaparam com o grito da torcida: UUUUUUUHHHHHHHHH!!!!!!!!!!!

O treinador embarcando no drama narrado pelo centroavante apaixonado:

   - Se tu faz esse gol não tinha prorrogação, mas aí ia ficar sem a tua amada – concluiu o treinador, já parecendo entender e respeitar o problema do seu camisa 9.

   - É professor. Mas na hora eu não sábia se era alivio ou raiva que eu sentia por ter desperdiçado a oportunidade. Mas depois disso nada mais aconteceu. Fomos para a prorrogação. Torci que você me substituísse. Assim haveria uma chance de não ser tão odiado pela família. Mas isso não aconteceu. E eu não pediria para sair. Começou a prorrogação e o jogo seguia quente, nervoso. Eu estava apanhando feito bicho e só sobravam bolas mascadas no ataque. No ataque dos dois times. Nossos meias fazendo o que eu queria. Chutando ao gol e dando passes errados para mim. Foi assim durante os quinze minutos do primeiro tempo da prorrogação. Muita tensão e expectativa no estádio. E o segundo tempo ia bem. Quase não toquei na bola até os nove minutos. Mas eu sou centroavante e a bola me procura. Se ela não me encontra, meu corpo é programado para ir até ela. Programado para empurrar a bola para dentro do gol com qualquer parte do corpo e de qualquer forma possível.
Até que num lance, um desses bate e rebate provocado pelos passes enforcados dos meias ao nosso ataque, ela ficou limpa na minha frente, girando e se oferecendo para a minha perna direita. Eu só tinha que me atirar de carrinho nela e guardar. Minha mente dizendo: Não Lindomar, não vai na bola! E meu corpo deslizava em câmera lenta. Centroavante não perde esses gols. Algum meia menos determinado perderia. Um Centroavante, nunca. Lembro da bola entrando e os companheiros pulando sobre mim que estava estirado no chão sem acreditar no que acabara de fazer.

   - Cheguei a me arrepiar. – falou o presidente com os olhos ainda marejados.
   - Depois, ironicamente, o professor me substituiu e colocou mais um defensor para garantir o resultado.
   - Claro! Aí foi só administrar. Guri, eles morreram depois do teu gol – falou todo orgulhoso o treinador.
   - É. Eu sei. 
   - Tu faz um estrago neles e agora tu quer ir pra lá guri? Mas quando você pensa em se apresentar lá? O que o seu procurador te falou? – perguntou o presidente enquanto enxugava uma lágrima que teimava em escapar no canto do olho.
   - Ainda não negociamos. Eles não sabem que eu quero ir para lá. Nem meu procurador sabe. Na verdade eu vou bater na casa da minha guria e entregar os papeis da minha demissão ao pai dela. Depois renovo o pedido de casamento. Quero ver se ele vai ter coragem de dizer não outra vez.
   - Tu estás louco guri. Pensa no que tu estas me pedindo. Queres que eu te libere para ir bater na porta do meu maior rival e te oferecer de graça para jogar lá?
   - Se o problema é o dinheiro, doutor. Eu devolvo os meus salários recebidos desde o início do ano, que foi quando eu cheguei. Essa foi a única despesa que eu dei para vocês.

O presidente sobe o tom:

   - Não seja abusado Lindomar. Não estou falando de dinheiro. Estou falando de carreira. Nosso clube está em uma situação bem melhor que a deles. Pagamos em dia e melhor.
   - Eu sei disso tudo doutor. Não estou indo para nenhum lugar que eu não conheça. Sei do momento difícil que o América está enfrentando. Sei dos problemas financeiros e políticos também. Mas eu amo essa mulher.
   - Eles estão na segundona Lindomar! Você tem um futuro maravilhoso pela frente. Tem só 26 anos. Do jeito que tu faz gol, tu vai parar na seleção. Ainda mais agora que vai jogar contra a elite e em um clube grande.
   -Pensa no teu futuro! Cara, tu vai querer voltar a disputar a segunda divisão? Tu não pensa em seleção – interferiu o treinador.
   - Eu já fui selecionado professor. É isso que vocês não querem entender. Ela me selecionou para casar. Então, por favor me liberem para ir atrás do meu sonho. Eu quero fazer essa mulher feliz. Dentro e fora dos gramados. Deixem-me ter a chance de tentar ser o marido perfeito.
 
   O treinador ficou alguns segundos olhando para o rosto do rapaz. Lindomar silenciosamente chorava. As lagrimas desciam por sua face até o queixo e pingavam no tapete com as cores e o brasão do Clube Atlético Libertadores. Depois desse silêncio fúnebre, o treinador se pronuncia:
 
   - Paulo, libera o guri.
   - Tu estas louco também, Moreira? Porra, Moreira, me deixa pensar!
   - Pensar o que, Paulo?
   - Como eu vou fazer para liberar o nosso artilheiro? O que eu vou dizer para a torcida?
   - Como assim, o que vai dizer? Vamos dizer a verdade. Vamos dizer que o nosso centroavante decidiu que só joga por amor daqui para frente.
 
   Silêncio.

   - Espero que você me mande pelo menos um convite de casamento, guri. Vou mandar preparar os papéis de sua dispensa para hoje. Pode correr atrás da tua Julieta do América Esporte Clube.
   - Obrigado, doutor. Vou ser eternamente grato.
   - Me faz um favor, então? Pela nossa amizade?
   - Se eu puder.
   - Quando for jogar contra a gente, pega leve, tira o pé – propôs o dirigente com uma piscadela de olho.
   - Prometo tentar, Seu Paulo. Mas sabe como é, né? Eu sou centroavante e meu corpo é programado para fazer gols.

   - Já vi tudo. Cai fora da minha sala, guri! Vai ser feliz na segundona, Romeu!

terça-feira, 16 de agosto de 2011

NÉQUINHO FOI PERDER A VIRGINDADE


NÉQUINHO FOI PERDER A VIRGINDADE

   Néquinho acordou cedo. Apressado correu para o banheiro. Mais um daqueles sonhos noturnos maravilhosos. Mas que pela manhã eram motivo de vergonha e acima de tudo frustração.
   Era um adolescente normal, se é que isso existe. Digamos, então, dentro dos padrões de loucura hormonal adolescente. Na confusão dos dezesseis anos ele era o último virgem da galera. E, ao seu ver, o  último virgem de dezesseis do bairro, da cidade, do estado e pelo andar da carruagem do país. Um absurdo! – pensava. Uma mistura de sentimentos invadia sua alma em desenvolvimento. Sentia-se incompetente, azarado e até cogitava a hipótese de pagar alguém e resolver o seu “problema”. Tudo isso enquanto tomava um banho frio de chuveiro elétrico na manhã de inverno.
   Já havia analisado de maneira aprofundada a idéia de ir até o posto da entrada da cidade e pagar uma prostituta de beira de estrada. Mas alguns pensamentos o travavam. O principal problema era o medo de ser roubado pelas putas. Sua mãe sempre disse que elas eram perigosas. Bandidas! E além do mais era inadmissível para ele entregar-se à sua incompetência. Pagar era o mesmo que comprar o título de ex-virgem. Havia também a questão do romantismo. Queria perder a virgindade com alguém especial. Alguém que ele lembraria com carinho. Escutava as conversas dos primos mais velhos e como eles contavam com orgulho da primeira conquista sexual da vida. Nenhum deles pagou por isso.
   Mas a verdade é que isso já estava passando dos limites. Não aguentava mais acordar com essas tais de poluções noturnas.
 
   - Vou colocar um ponto final nesse assunto! - resmungava enquanto passava o sabonete no corpo e tremia de frio no piso gelado do banheiro.

  
   Vestiu-se, tomou um copo de achocolatado e correu para a escola. Foi analisando as opções durante o caminho.

   Havia a Carlinha, loirinha, pequeninha. Corpinho todo no lugar. Uma tchutchuca. Mas embora ela desse umas olhadas para ele, seria bem difícil fazer com que ela participasse desse "evento". Era muito tímida até mesmo para beijar.
   Pensou na Beatriz. Bia era uma morena de boca grande e olhos puxados. Chamavam-na  de Pocahontas. Mas ela não ia para a cama com qualquer guri. Não, a Bia Pocahontas só dava para os guris mais velhos. De preferência os que já tinham carro. A Bia iria ficar somente como musa inspiradora de seus sonhos úmidos noturnos.
   Mas a solução com certeza poderia ser a Renatinha. Essa dava para qualquer um. Mas o que deixava Néquinho mais incomodado era o fato dela não querer “sair” com ele. Puxa vida eram vizinhos. Moravam a cinco casas de distância. Que custava dar para ele o que ela já havia distribuído para a rua toda. Já haviam ficado algumas vezes nas festinhas dos amigos ou da escola, mas não havia conseguido nada além de alguns poucos beijinhos.

   Ele tinha que tentar mais uma vez!

   Então foi direto nela. Sábia onde encontrar a pretensa presa. Todos os dias antes da aula ela estava fumando no fundo da escola com outras amigas de sua galera. O cheiro de cigarro era um pouco desagradável para ele, mas no fundo isso o deixava bastante excitado. Excitado de uma forma estranha, mas era muito gostoso ficar ao lado dela. Ela exalava sexo.
   Deu um tempo por ali, como se procurasse alguém. Olhou para ela...Começou mais ou menos assim:

   - E aí Renatinha, tudo beleza?
   - Tudo Néco. Só cheia de sono. Estudar de manhã é um inferno. Ainda mais no inverno, mas ainda bem que tenho a tarde inteira para ficar de bobeira.
   - Pois é justo sobre essa tarde que quero conversar contigo. Será que as gurias podem nos dar licença por alguns minutos?
   - Podem gurias? – perguntou Renata acenando positivamente com a cabeça. E as meninas deram licença. Rindo de um jeito debochado, mas deram licença.

   Ele começou a desenrolar:

   - Rê, a gente se conhece faz um tempão, né? Desde os doze anos que foi quando eu me mudei para a nossa rua. Já ficamos algumas vezes e eu tenho um carinho especial por você.
   - Tá não enrola, Néco. Que é que tu quer?
   - Não é fácil falar disso, mas tem algo que está acabando com meu sossego e atrapalhando a minha vida.
   - Fala!
   - Talvez você não saiba, mas eu sou virgem – as bochechas logo coraram – e isso está me deixando louco.
   - Que tu é virgem, todo mundo sabe. Mas o que é que eu tenho a ver com isso?
   - É que eu gostaria de perder a minha virgindade contigo. Pode ser?

(Silêncio)

  
   - Mas tu é cara de pau, hein Néco!

   - Tu acha que eu sou assim tão fácil? Que é só marcar hora que está tudo bem. Que você está garantido. Faça-me o favor!
   - Mas, Renata. Você é uma guria experiente e é minha amiga!
   - Sim e é por ser tua amiga que eu não vou te dar.
   - Bah! Mas se as minhas amigas não querem me dar. Quem é que eu vou comer? As inimigas? Vocês mulheres são muito estranhas. Preferem dar para qualquer um a dar para os amigos. Que falta de coerência.
   - Já falou o que queria Emanuel? – ele odiava que o chamassem pelo nome de batismo.
   - Já! Já falei o que queria. Agora deixa eu ir para a sala de aula. Tenho que encontrar outra pessoa disposta a me ajudar. Uma amiga de verdade! Tchau Renata, boa sorte na vida para você.
   Renata ficou em pé com o cigarro entre os dedos e os braços cruzados apenas olhando. Quando ela viu que ele estava realmente bravo deu mais uma cutucada:
  
   - Larga fora cabaço! – e deu um sorrisinho safado.


   Néquinho "largou". Foi caminhando com passos firmes até a sala de aula. Entrou feito um furacão e jogou a mochila com força sobre a mesa.

   - Tá estressadinha, tá? – perguntou Carlinhos, seu colega que sentava ao lado.
   - Não torra, Carlota! Não enche meu saco, cacete! Porra, tô no maior aperto e tu tirando ondinha. Ah, vai à merda!
   -Calma, Néquinho. Foi mal. O que é que houve? Aposto que tu tá assim porque não estudou para a prova de Geografia.
   - Tem prova? Caaaraaca, meu. Mas não é isso não.
   - Mais grave que não estudar para a prova da Professora Lorena?Caramba então o bagulho deve ser feio mesmo. Quer conversar?Será que eu posso te ajudar? Tô curioso, caralho!
   - Tá bom, eu vou falar. Mas tu guarda segredo, senão eu te quebro. Fechado?
   - Fechado, Néco. Agora desembucha. Abre esse coraçãozinho.
   - Eu sou virgem e...
   - Ah, Néco! Fala alguma coisa que a galera não saiba. Que tu não come ninguém até os cachorros do bairro estão ligados.
   - Vai começar com piadinhas, eu paro? Idiota.
   - Tá bom. Prometo ficar de bico fechado. Fala, Néco, continua.
   - É, cala a boca e me deixa falar. O que tá pegando, nisso de eu ser virgem, é que eu não consigo comer ninguém e acho que já tá subindo para a cabeça.
   - Subindo pra cabeça? Caramba, como assim?
   - Tu nunca ouviu falar que a falta de sexo sobe para a cabeça? E aí tu não consegue parar de pensar nisso. Começa a se acordar todo lambuzado de manhã e depois fica louco.
   - Não, nunca ouvi falar isso. É sério?
   - Não sei. Mas foi meu tio quem me falou. E eu não quero ficar louco. Não paro de pensar nisso e tenho acordado de maneira bem vergonhosa.
   -AAHAHAHAHAHAHA!!!
   - Cala a boca, seu merda!
   - Desculpa, Néquinho, mas é bem engraçado. Preocupante, mas engraçado.
   - E ai, Carlota, alguma idéia brilhante?
   - Me dá um tempo até o recreio. Vou ver o que consigo pensar, seu amador.

   As horas passavam lentamente e a hora do recreio parecia distante. Néquinho pensava na prova de geografia, pensava na professora Lorena, pensava em arranjar outro plano. Não levava fé no Carlinhos, ele não parecia ser muito criativo.

   - E agora, o que fazer, eu não estudei? Filha da puta da Renata, não quis me dar! Não vou mais ser amigo dessa traíra. Ela vai ver.

   Os dois primeiros períodos passaram voando e ele também. Terceiro período era aula de história. Beleza, ele estava bem na matéria. Cutucou o Carlinhos e perguntou:

   - E ai, Carlota, pensou alguma coisa?
   - Aham.
   - Beleza! Conta ai!
   - Depois.
   - Que?! Como assim: depois? Tu tá louco, Carlinhos? Fala ai, cara, por favor!
   - No intervalo. Me encontra ali perto da quadra de vôlei.
   - Tá bom. Só não sei qual é o mistério.
   - Agora me deixa escutar o que a “sora” tá falando.
   - Acho bom a tua ideia ser boa. Por que tu tá numa marra do caramba.
   - Fica gel, Néco. Meu plano é bom. Infalível até.

    Concentraram-se até soar a campainha avisando que era hora do intervalo. Gurizada em disparada para o bebedouro, banheiro, cantina e quadras de futebol e vôlei. Néquinho correu para o banheiro e depois para beber água. Queria estar focado apenas no plano do Carlinhos. Depois correu no meio das crianças menores até chegar à quadra de vôlei.Lá já estava o Carlinhos esperando.

   - Bah, Néquinho, onde tu te socou? Tô te esperando aqui faz um tempão. Já entendi qual é o teu problema. Por qual razão tu não consegue comer ninguém.
   - É mesmo? E qual é? Me diz, cara!
   - Tu é muito devagar, hahaha. Demorou uma cara pra chegar aqui. Achei que tinha desistido, meu.
   - Tá louco, Carlota? Tá me tirando? Que devagar, o que? Fui no banheiro cara. Tá ligado que é um filão. Porra, velho! Eu vim correndo. Olha a minha cara, tô todo suado, porra. Me conta logo o que tu pensou! Tô curioso, Carlinhos.
   - Tá, calma, Néquinho. Tá ligado a Andressa?
   - Andressa? Ah! A Andressa do terceiro ano?
   - É, essa mesmo.
   - O que é que tem ela?
   - Tá dando tipo bicho!
   - É mesmo? Pra quem?
   - Pra todo mundo!
   - Caraca, Carlinhos eu não sabia que essa guria era assim.
   - Mas é, hehehe. E ai, vai encarar a foguentinha do terceiro ano
   - Mas como?
   - A gente faz assim. Nós temos Educação Física depois do recreio. Hoje a gente só fica um período então é mais para relaxar. A turma dela vai ficar com as quadras, eles tem dois períodos. Nós ficamos aqui perto da quadra de vôlei e eu falo com ela. Marco para a gente se encontrar na frente da minha casa hoje de tardezinha. Peço para ela levar a Aninha junto com ela e digo que tu quer ficar com ela. Barbadinha.
   - Será?
   - Vai por mim. A Andressa gosta de mim e a Aninha é irmã dela. Vai meter um pilhão na louca. Só te liga.
   - Tá bom. Se tu tá dizendo. Vamos tentar.
   - Fechado?
   - Fechado.

   Néquinho respondeu “fechado” e seu coração disparou. Sua cabeça deu um giro completo e travou por alguns instantes.

   -Será?- só pensava nisso.

   Fim do intervalo. Vai o começar plano. Começa o período de Educação Física, mas o professor está bem tranqüilo. Fica orientando a turma com quem tem dois períodos e libera a outra para ficar pelo pátio, na biblioteca, no refeitório, na cantina, onde quisessem e não atrapalhassem as outras turmas.
   A dupla Néquinho & Carlinhos seguiu para a quadra de vôlei. Ficaram por lá, esperando, planejando, observando. Em dois minutos lá estavam elas. As meninas do terceiro ano. Tinha uns guris com elas, mas eram na maioria gurias. Mas onde estava a Andressa? Onde? Eram muitas adolescentes frenéticas, pulando juntas, se abraçando e dando aqueles gritinhos atordoantes. A felicidade pós- infantil e pré- adulta de quem já está acabando o ensino médio e agora quer descobrir o que vai ser. Na verdade muitas delas não estão nem aí. Mas isso para ele agora não importava. Só queria localizar a Andressa. Sua possível Salvadora.

   - Ali! -  gritou sem pensar quando avistou Andressa.
   - Onde? - perguntou Carlinhos.
   - Ali do lado da mina com a baby look do Inter.
   - É mesmo, vamos ficar de olho. Deixa que eu falo com ela na hora certa.
   - Tá beleza. Confio em você.

   Carlinhos olhou para Néquinho com um olhar de quem se sente o Cúpido mais estrategista da história do bairro e garantiu:

   - Pode confiar.
  
    O tempo foi passando e nada do Carlinhos ir falar com a Andressa. Néquinho foi ficando nervoso.

  
   - Carlinhos, ainda não é a hora certa?

   - Não.
   - Tem certeza?
   - Cala a boca e continua fazendo abdominais e flexões. Temos que ter um motivo para estar aqui.
   - Mas...
   - Quieto.
  
   Mais alguns minutos passaram até que... Nada aconteceu.

   Mais alguns minutos e tocou a sineta. Fim de período. Néquinho vai à loucura:
  
   - Porra, Carlinhos! Agora quem amarelou foi tu, cara. Brincadeira! Acabou o período e tu não falou com a guria. Ela tava na nossa frente. Que é que houve?

   -Espera, cala a boca e vamos indo. Quando passarmos por ela eu paro e você continua. Aí eu falo com ela. Só faz isso. Pode ser?
   -Tá, vamos lá. Só quero ver.
  
   E foram caminhando passos normais, sem pressa nem passeio. Quando se aproximaram de Andressa fizeram o combinado. Néco passou e Carlinhos falou:

  
   - Oi, Andressa, tudo bem?

   - Oi, Carlinhos, tudo bem e você?
   - Eu tô bem. Olha só, eu queria te convidar para ir lá em casa hoje de tardezinha. Na verdade eu queria que tu levasse a tua irmã. Tá ligada que eu sou tri afim da tua irmã, né?
   - E o que é que eu ganho com isso? Ela pode muito bem ir sozinha. Porque tu quer que vá nós duas? Não vem com idéia, não!
   - Calma, louca! Tá vendo aquele meu amigo ali? A galera chama ele de Néco.
   - Sim eu conheço ele ai do bairro. Que é que tem ele?
   - Ele tá por ti. E ele é virgem. Como tu me falou aquela vez no passeio da escola que adora gurizinho virgem eu pensei: Quem sabe ela pode ajudar ele a resolver essa questão? Vai saber, né?
   - Virgem e bonitinho. Tá eu vou lá às seis e meia por aí. Depois da Malhação.
   - Tá, beleza. Fechado, Andressa. Mas leva a tua irmã, hein?!
   - Vou ver se ela vai querer ir, hahaha.
  
   Néco já havia percebido que Carlinhos havia obtido êxito com a Andressa, mas precisava escutar da boca de seu companheiro.

   Carlinhos já veio de longe com um sorrisinho meio cafajeste, meio “sou fodão”. Ao chegar até Néco disparou a sentença:

   - A sua virgindade, em questão de horas, vai ser coisa do passado.

   - Me conta como foi, tudo certo então?
   - Foi barbada. Ela vai ir com a Aninha. Ai enquanto eu brinco de médico com a Aninha, você brinca de explorador com ela, hehehe.
  
   O último período tinha tudo para ser bem longo.

   A prova de geografia esquecida!
   A professora Lorena entra na sala de aula e o silêncio aparece na lista de chamada de tão presente que se faz. Manda fechar as cortinas e a porta e ligar as luzes da sala. Em seguida veio a ordem:

   - A partir desse segundo, não quero mais conversa. Quero ver todo mundo sentado na postura correta, costas retas e de frente para o quadro negro. Vou distribuir as provas viradas e só podem desvirar quando eu mandar. Nada de conversinhas paralelas. A prova está bem legível e é de fácil compreensão. Portanto não há necessidade de fazer nenhum tipo de pergunta. Vocês têm quarenta minutos e podem consultar apenas os cadernos com a matéria que eu passei para vocês.


   Nesse momento um grito de espanto completamente inédito:

   - Prova com consulta?! O que significa isso? Eu me matei estudando essa matéria chata e a prova é com consulta?

   - Controle-se, Carlos Alberto. Eu avisei que era com consulta no dia em que marquei essa prova. Tu saberias se prestasse mais atenção.
   - Mas se eu fizer sem consulta, será que pode valer uns pontinhos extras? - perguntou balançando as sobrancelhas.
   - Não – assim, bem direta, veio a resposta.
   - Bah, meritocracia nem pensar? Fico chocado, com isso.
   - Chega, menino. Concentre-se na prova.
   -É. Cala a boca Carlinhos. Deixa quieto, eu não estudei, mas o caderno tá completo, hehehe.
   - Vocês são medíocres. Essa prova é medíocre!

   Concluíram a prova antes do tempo previsto e ficaram esperando a professora liberá-los.


   - Emanuel e Carlos Alberto, deixem as provas de vocês em cima da minha mesa e vão direto para  casa almoçar.


   Correr, beber água, xixizão no banheiro e depois casa. Marcaram, então, um videogamezinho para a tarde até as visitas chegarem. Moravam na mesma rua, uma quadra curta de diferença.


   - Duas da tarde Néco?

   - Pode ser Carlota.
   - Beleza. Almoça bem prá tomar surra no vídeo game e o café da tarde é por minha conta, hehehe. 
   - Cafezão, hahaha!

   Néco comeu rápido porque antes de ir para a casa do Carlinhos tinha que lavar a louça do almoço e queria tomar um banho caprichado, colocar uma roupa legal e um perfuminho bacana.

   Fez tudo voando e às duas da tarde estava na frente da casa do amigo.
  
   - Entra ai, Néco, tô terminando de me arrumar.

   -E, ai louco, nervoso? – perguntou Carlinhos
   - Mais ou menos, mas agora a gente joga um “game” e eu me acalmo. Eu acho.
   - Fica tranqüilo. Vou te explicar como vai ser. Primeiro eu vou te dar uma surra no Mortal Kombat, depois a gente vai dar uns beijos nas minas e levar lá para os fundos onde meus velhos estão construindo o aumento da casa. Tem duas peças. Eu fico em uma e tu em outra. Tá ligado?
   - Tô. Mas não tem telhado.
   - Detalhe, Néco, detalhe.
   - E não tem camas, nem sofá, nem nada. É uma construção, Carlinhos.
   - Tu é muito fresco. Isso tudo é detalhe.
   - As minas não vão dar para a gente, cara.
   - Porque não, Zé cabaço?
   - Porque não tem como. Temos que investir em conforto.
   - Como assim?
   - Vamos lá dar uma olhada na situação do matadouro.
   - Vamos.

   Trinta passos depois:


   - Bah, mas isso tá uma merda, Carlinhos! Aqui não dá para comer nem um cachorro quente, imagina uma mina. Não dá para você me emprestar a cama da tua irmãzinha?

   - Tá louco? Vai vendo que eu vou emprestar a cama da minha irmã. Mas tu tem razão. Não tinha percebido que estava tão bagunçado. Nós temos um monte de saco de cimento, essas peças de bicicleta e os tapetes velhos também estão atrapalhando a movimentação.
   - Vamos fazer assim, os sacos de cimento a gente ajeita e faz uma cama para você e a Aninha ai nessa parte da construção, nesse quartinho. Colocamos uns tapetes. Eu fico aqui desse lado. Jogamos as peças de bicicleta ali no cantinho e depois eu jogo uns tapetes por cima também.Deixo escondido e faço um sofazinho para mim e a Andressa. Só vou precisar daquelas almofadas que tem lá na sala da tua casa. O que tu acha?
   - Tá pode ser. Vai fazendo isso que eu vou buscar uma vassoura para varrer essa sujeira. Porra, eu já estava todo arrumadinho. Vou suar, cacete.
   - É fácil e rápido. Nem vamos suar.
   - Aham. Só quero ver, Don Juan.
   - Sabe o que eu estava vendo que falta também?
   - O que, seu mala?
   - Não tem luz aqui. Como vou me achar no escuro?
   - Não te preocupa que o inexperiente aqui é você. A Andressa sabe muito bem o que fazer.
   - É verdade, hehehe.

   Meia hora depois:


   - Tá, ficou beleza, Carlinhos. Depois tu só tens que pegar as almofadas, senão eu vou me ferrar com esse sofá feito com as “bikes”.

   - Ok. Ficou uma suíte luxo. Bah, nós vamos comer um monte de mina aqui, Néco!
   - Que horas são, Carlinhos?
   - Acho que umas três da tarde, mais ou menos. Vamos lá jogar.
   - Beleza, temos umas três horas antes das minas chegarem.

   E lá foram os guris jogar vídeo game e esperar as gurias chegarem. As meninas do bairro estavam com os hormônios em ebulição, todos só pensavam em beijar na boca e descobrir novas sensações e situações.
   Néco passou a tarde apanhando no vídeo game. Sua cabeça estava em outro lugar, em outro horário e outra situação. Nem ligava para as piadas feitas pelo seu amigo após cada vitória. Só pensava na Andressa. Era estranho pensar em como as coisas se arranjaram rápido de repente. Até as seis e meia da tarde eles são quase desconhecidos, mas provavelmente antes das oito da noite, ela vai se tornar parte eterna de sua existência. Quando ele pensava nela ficava perdido, vagando entre as imagens que lembrava das vezes em que se viram e o medo de falhar que sentia. Como agir? Quando começar a coisa em si? Seu coração parecia querer sair pela boca. Ela era bem bonitinha. Moreninha, peitudinha, coxudinha, bundudinha. Para falar a verdade eu acho que era até meio gordinha. Mas bem bonitinha. Uma cara de indiazinha sacana e um jeitinho de andar que era para provocar, atrair.

   As horas finalmente passaram.

   - Carlota já são seis horas. Vamos lá pra frente da tua casa esperar as minas.
   - Espera aí, vamos ver se já acabou a Malhação. Tá acabando. Vamos dar mais uma revisada no matadouro e depois vamos ali esperar as princesas, hehehe.
   - Beleza, vambóra!
   - Tá empolgadinho, né Néco?
   - Tô numa adrenalina.
   - Hahahahaha, fica calmo, cara. Relaxa que é barbadinha e depois a Andressa é bem esperta.
   - Vou tentar.

   Depois de uma breve olhada e repassada nos detalhes do matadouro eles foram para frente da casa esperar as “meninas”. Alguns minutos passaram enquanto conversavam alguma besteira. De longe o Néco as enxergou chegando. Andressa e Aninha desciam a rua levemente íngreme onde eles moravam. Era possível enxergar longe e desde longe eles acompanharam o rebolado sincronizado e de balanço hipnotizante. As duas irmãs descendo sem pressa e de maneira decidida até a casa do Carlinhos. Néco se encheu de coragem vendo a determinação com que essas meninas desciam a rua. Elas estavam preparadas para dar e ter prazer. Elas faziam parte de um clube, um clube ao qual ele desejava ansiosamente pertencer. Elas faziam parte do clube de pessoas que praticavam sexo por prazer. Um clube de pessoas felizes. Sem a obrigação de aguentar um namorado colado nelas. Sem apegos. Elas queriam dar e ter prazer. Filantropia total.

   E elas chegaram.
   Depois do oi, cheio de sorrisos um breve, mas interminável, silêncio. Para romper o silêncio o Carlinhos disparou:


   - Que frio, né gurias?


   Ao que Andressa rebateu:


   - Não acho. Eu estou só com esse moletom e morrendo de calor.

   - Esqueci que tu é foguentinha.
   - Bastante – esse bastante dito olhando para a boca de Néquinho.
  
Néquinho estava a uns dois passos de distância e tremeu por dentro. Pensava:


   - O que eu faço? Calma, cara. Fica tranqüilo, respira. Vai acontecer naturalmente. Que horas são? Daqui a pouco começa a anoitecer. Caraca, eu tenho que ser rápido! Mas o que eu faço? Que doideira! Ela tá bonita com essas trancinhas. Só de moletom... Que delicia. Será que esse “só de moletom’’ é só de moletom mesmo ou tem um soutien para embaçar. Eu tenho um medo de soutien. Aqueles grampinhos são foda. Tem gente que tira com uma mão e sem olhar. Um dia eu chego lá. Pelo menos ela não veio de calça jeans. Esse abrigo da escola é bem soltinho. Barbada para tirar.


   - Que foi, Néco, tá tão quietinho? – essa foi a voz da Aninha.
   - O Néco é meio estranho, mas é gente boa. Só é um pouco tímido. Não é, Néco? – intervenção de Carlinhos.
   - Pois eu adoro os tímidos. Sempre surpreendem positivamente – essa era a Andressa.

   Nesse momento aquele friozinho maravilhoso que dá no estômago se encontrou com um calor vulcânico que subia das solas dos pés até a cabeça. Corou. E o fato de ter ficado vermelho o deixava ainda mais envergonhado e consequentemente, mais vermelho.

   Para dar uma diminuída na tensão e desviar um pouco o foco, Néquinho propôs que todos fossem dar uma volta. Ele queria ir ao mercadinho ali perto e comprar alguma coisa para comer. Depois poderiam ir para a pracinha. Dar um tempo lá até anoitecer. Os vizinhos eram muito fofoqueiros e a vida adolescente naquela rua era bastante comentada. Um problema para quem quer fazer as coisas de maneira discreta. Todos toparam.
   No caminho Néco parou no mercadinho e comprou uma bolacha Trakinas e um pacotinho de Halls. Foram caminhando lentamente em duplas. Primeiro as meninas juntas e depois em duplas mistas. Carlinhos, como bom pavão que é, ia exibindo para Aninha cada uma de suas "plumas". Néco estava um pouco mais relaxado. Já podia conversar com Andressa, por sorte não precisava puxar assunto, já que a guria gostava de falar:

   - Já pensou o que vai fazer depois que acabar o terceiro ano? Vai só trabalhar ou vai fazer algum curso? Tu tem cara de quem vai fazer faculdade?

   - Vou decidir isso ano que vem. Quero me concentrar só nisso antes de tomar alguma decisão. E agora tá bem difícil. E tu, já sabe o que vai fazer? O fim do ano já está chegando.
   - Eu vou montar uma banda. Quero ser vocalista de uma banda de Rock. Andar o Brasil inteiro cantando, bebendo e conhecendo gente interessante.
   - Legal, então quer dizer que eu estou do lado de uma futura rock star?
   - É isso aí. Vou ser a nova Janis Joplin.
   - Vou torcer por ti.
   - Obrigado, lindinho – e junto um selinho e um sorriso. Néco sorriu e retribuiu com outro selinho.
  
   Mais meia quadra e já estavam na pracinha. Néco e Carlinhos correram na frente, fizeram uma driblinha  rápida com uma bola de futebol furada que estava por ali e, em seguida, sentaram no encosto de um banco embaixo de uma figueira da praça. As meninas vinham no mesmo passo tranqüilo. Cada uma pegou uma florzinha de outra árvore que havia por ali. Umas flores brancas que as duas moreninhas colocaram nos longos e ondulados cabelos negros.

   E, tranquilamente, dirigiram-se cada uma até seu “ficante”.
   Os quatro ficaram por ali até anoitecer. Beijando muito e fazendo tipo. As meninas fazendo charme e os meninos querendo ser homens. Uma espécie de dança do acasalamento adolescente.
   Havia muitos casais espalhados pela praça. Alguns apenas namorando, outros apenas fumando "unzinho", outros namorando enquanto e fumavam "unzinho" e outros fumando "unzinho" enquanto namoravam. Os ânimos estavam mais exaltados e os carinhos, cada vez mais ousados, já não cabiam na pracinha. Era chegada a hora de voltarem para a casa do Carlinhos. Era hora de ir para o matadouro. Sim, Néco estava indo perder a incomoda virgindade. Seu problema acabaria em no máximo vinte minutos.
   Os casais saíram abraçadinhos. Na frente iam Carlinhos e Aninha, seguidos por Néquinho e Andressa. Na metade do caminho Carlinhos avisou:

   - Galera, quando a gente chegar, eu abro o portão e a gente passa voando lá para os fundos da minha casa. A vizinha do lado é muito orelhuda e bocuda e a da frente olhuda.


   Os três concordaram e seguiram o passo rápido de Carlinhos.

   Néquinho não sabia se sentia frio ou calor. Suava feito um condenado, mas tremia feito vara verde.
   - Calma, bonitinho. Teu coração tá acelerado e as tuas costas estão ensopadas de suor. Relaxa, eu cuido de ti. Vai dar tudo certo. Que bonitinho, ele tá nervoso – e um apertinho na bochecha de Néco.

   Como você reagiria nessa situação? Néco relaxou. Escutou o que precisava. A voz da experiência agindo como calmante.

   Mais três minutos e eles já estavam no portão. Carlinhos abriu rápido, Néco e as meninas passaram para o lado da casa e Carlinhos fechou o portão. Quinze passos e estavam na porta, sem porta, da construção onde fizeram seu lugarzinho reservado.
   Carlinhos entrou primeiro e tomou conta do cômodo à direita. Entraram já tirando a roupa. Na parte do Néco nem tudo corria bem. Ele esqueceu dentro de casa as almofadas para o seu sofá improvisado. Enquanto beijava e tentava se ajeitar nos tapetes empilhados se retorcia sobre um monte de peças de bicicletas. Tinha um guidon atravessado bem na sua nuca. E a Andressa nessa hora já havia se transformado em alguma espécie de possuída. Gemia, beijava, mordia, rosnava, arranhava, apertava, lambia. Uma avalanche de sensações. Néco estava nervoso, mas feliz. Ela realmente sábia o que estava fazendo. E estava menos preocupada que ele com fato de não haver porta onde estavam. Talvez a escuridão passasse para ela um sentimento de segurança.
   Cada vez mais relaxado, Néco se entregava sorrindo diante de tanta volúpia. A única exigência de Néco foi:

   - Tira o moletom!


   Ela tirou e Néco sorriu aliviado. Ela estava sem soutien.

   Néco Segurou seus seios com mãos tremulas e cheias de dedos ansiosos. Tocou, beijou, lambeu. Ele estava curtindo cada sensação. E ela estava com vontade de apresentar todas para ele.
   Enquanto ela ia beijando seu peito e baixando em direção ao umbigo o que se escutava eram os ruídos do casal no outro lado da parede. Já estavam bem mais adiantados.
   Andressa parou de beijar um pouco antes do botão da calça jeans de Néco. Parou, olhou para ele e sorriu. Sorriu o sorriso mais malicioso que Néquinho já havia visto. Néco não acreditava no que estava por acontecer. Então ela abriu o botão. Sorriu sem tirar os olhos do zíper da calça. Abriu. Sim amigos, ela colocou a boca. Ele só faltou chamar o Carlinhos para mostrar o que estava acontecendo, de tão orgulhoso que se sentia. Não sabia direito o que fazer. Viu em alguns filmes que era legal pegar no cabelo da guria enquanto ela praticava sexo oral. Mas viu em uma Playboy uma atriz famosa dizendo que era horrível ter alguém segurando e puxando o seu cabelo nesse momento.
  
   - E agora, puxo ou não puxo? – pensava


   Fez um carinho no cabelo dela. Ela se desligou do mundo concentrada em seu desempenho. Ele colocou as duas mãos atrás da nuca e deixou ela tomar conta de tudo.Tomar conta dele.

   Eis que nesse momento, Néco tem a impressão de que há alguém parado na porta do matadouro. Firma bem os olhos e começa a distinguir uma sombra mais escura. Seu coração dispara ainda mais. E ela ali, concentrada na performance, alheia a tudo. Sim tem alguém parado em pé na porta!
   Antes que seu cérebro processasse mais alguma informação, veio a voz:

   - Néco?! Não acredito!


   Aquela voz era inconfundível.


   - Pode sair todo mundo aqui prá fora. Vamos! Demorei a entender o que estava acontecendo porque está escuro aqui. Que pouca vergonha. Tô te procurando faz uma hora Emanuel. E você aqui, de sem-vergonhice com essas putinhas da vila.

   - Calma, mãe! Não briga com as gurias.
   - Calma o que, guri?! Queria saber onde estão os pais dessas gurias que não estão cuidando delas. Ou são vagabundos ou são uns coitados trabalhadores que ficam dando duro prás filhas ficarem puteando na rua.
   - Pára, mãe!
   - Não paro! Amanhã eu converso com a tua mãe, Carlinhos. Ela tem hora marcada no meu salão. Vem aqui guri, vamos para casa, Emanuel – e catou o quase ex-virgem pela orelha.

   E assim, carregado pela orelha, Néco percorreu a distancia entre a casa do amigo e a sua. Escutando a bronca histérica de sua mãe. Que não fazia questão nenhuma de esconder o motivo da bronca.

   Já perto de sua casa passaram por Renatinha que estava no portão da casa dela. Néco olhava para ela com um olhar mesclado de vergonha e raiva por ela não ter aceitado seu pedido daquela manhã. Junto com ela mais duas amigas das redondezas.
   Mas o mais surpreendente estava por ser revelado. Quando passaram bem em frente da casa da Renatinha sua mãe disse:

   - Obrigado, Renata. Graças ao seu palpite eu encontrei essa praga.

   - De nada, Dona Nadir. Eu tinha certeza que ele estava lá.

   Agora tudo fazia sentido. Se não houvesse um dedo-duro, nesse caso uma dedo-duro, sua mãe nunca teria ido até os fundos da casa do Carlinhos.


   - Filha da puta! Não quis me dar e ainda me dedurou - pensou.


   Continuaram a caminhada e antes de entrar no seu quintal, Néco olhou para Renata. Ela estava olhando para ele, parecia esperar essa olhadela dele. Quando os olhares se encontraram ela deu uma leve levantada na sobrancelha esquerda, um sorrisinho e mandou um beijinho.

   Néco, ainda pendurado pela orelha, ficou sem entender.
   Mistérios da mentalidade incoerente das fêmeas.
   No futuro Néco entenderia que a competição entre fêmeas vorazes muda qualquer convicção.
   Em um futuro não muito distante ele entenderia, mas naquela  noite, Néco ainda dormiria virgem. Mais uma noite.
Isaque S. Santos